- Quando foi da sementeira, o patrão Arnaldo disse-me: «Ó Bailote, tu já não tens a mesma mão para semear.» Porque eu, senhor doutor, tive sempre uma mão funda, assim grande, como um cocho de cortiça. Eu metia a mão ao saco e vinha cheia de semente. Atirava-a à terra e semeava uma jeira num ar. Conta, bom homem, conta o teu sonho perdido. Tinhas, pois, uma boa mão de semeador bíblico. Atiravas a semente e a vida nascia a teus pés. Eras senhor da criação e o universo cumpria-se no teu gesto. E, enquanto o homem falava, eu olhava-lhe a face escurecida dos séculos, os olhos doridos da sua divindade morta. Imaginava-o outrora dominando a planície com a sua mão poderosa. A terra abria-se à sua passagem como à passagem de um deus. A terra conhecia-o seu irmão como à chuva e ao sol […]. E mostrava a sua desgraçada mão, envelhecida, carbonizada de anos e soalheira. […] - Olhe. Faça ginástica aos dedos. Assim. E exemplificava. De olhos escorraçados, o homem lamentou-se: - Tenho feito, senhor doutor. Mas o patrão Arnaldo diz que eu já não tenho mão. Veja, senhor doutor, então isto não será ainda uma mão de homem? […] - Então que quer que eu lhe faça? - Dê-me um remédio, senhor doutor. Um remédio que me ponha a mão como a tinha. Assim grande, assim funda, assim… E moldava no ar a capacidade de uma mão de Jeová. Fios de sol escorriam de uma azinheira perto da estrada. Os campos repousavam no grande e plácido Outono. E pelo vasto céu azul, sem a mancha de uma nuvem, ecoava levemente a memória de Verão. Moura pôs o motor a trabalhar. - Então passe muito bem – disse ao semeador. E o carro arrancou, erguendo o pó do caminho. Mas a visita à doente foi breve. […] Regressámos enfim pelo mesmo caminho. Quando, porém, chegámos ao monte do semeador, saltou-nos à frente um grupo de pessoas […]. Moura saiu do carro e o magote de gente seguiu-o. Fiquei só. Mas o médico regressava daí a pouco, pálido, transtornado. - Que aconteceu? Ele não respondeu logo, conduzindo o carro aos tropeções. E só quando o monte se não via já me declarou: - O homem enforcou-se.